Pra quem gosta da Redenção (P. Alegre)
Caminho em busca dos caminhos e trilhas que atravessam a Redenção. As folhas fazem creck e crunch sob meus pés. Uma alegoria sonora para o ritmo arrastado dos meus passos.
Alimento o incomum hábito de procurar conforto e prazer no vento frio e cortante que rasga Porto Alegre no inverno. Não sei se é um vento ou uma alma penada em movimento apenas sei que ele me acaricia…
Sento em um banco de pedra e observo a gélida lâmina d’água do pequeno lago. Percebo o silêncio dos animais no zzzzzzzzzzoo. Ao contrário de mim eles tentam abrigar-se da intempérie.
Eu busco a Redenção em dias assim.
Dias que exigem sobretudo e mãos abrigadas. Dias gelados.
Levanto-me para prosseguir a caminhada.
Lágrimas nos olhos atrapalham minha visão. Prefiro atribuí-las ao vento e ele me contou uma de suas histórias tristes. Baixinho, ao pé do ouvido. Histórias que esta vida de correr por aí o fez presenciar. Era uma história triste e linda, por isso das lágrimas.
Meu corpo me carregou sozinho até meu destino: o recanto Alpino. Minha mente chegou um pouco depois. A simples visão da cabana de pedra me conduz a uma outra viagem.
Fantasias que a imaginação rica de uma criança tatuaram em minha memória. Percorre imagens, viagens, pessoas, saudade até despertar, novamente com lágrimas. O vento. Testemunha. Minhas viagens vieram em palavras. Viraram histórias que vento escutou e em seguida saiu correndo por aí. Ele não sabe guardar segredos.
Foi logo contar para alguém.
(Caio Fernando Abreu)
sexta-feira, 5 de março de 2010
segunda-feira, 1 de março de 2010
Pré-outonal
As paineiras já estão floridas. Olhem: estão floridas também as quaresmeiras.
O outono ao Sul é tão gentil que se anuncia com flores. Só nós, os outonais, podemos entender Toulouse-Lautrec. Ele costumava dizer, com sua sabedoria de artista, que o outono é a primavera do inverno.
Sim, ainda está quente. Muito quente, aqui ao Sul.
Mas suportamos esse calor com a visão da natureza, que começa aos poucos a transformar-se. Já é possível perceber algo novo na atmosfera.
Os dias começam a ficar menores. As noites têm seus os astros mais nítidos.
As manhãs são mais solenes, belas e evocativas. Os pássaros já não fazem sua algazarra. Cumpriram seu ciclo, e agora apenas vivem. Há maior silêncio.
O poente sobre o rio, sobre o campo, sobre o cenário urbano, tem alguns matizes mais dourados. São ínfimos, mas perceptíveis. Esqueçam a moda dos óculos escuros, que tudo mascaram. Olhem as coisas como elas são. Só assim será possível notar essas minúsculas e esperançosas variações da luz.
Para perceber tudo isso, porém, não basta possuir a condição humana. É preciso ser diferente; não melhor, mas diferente. É saber contemplar a vida, segundo propõe Baruch Spinoza, sub specie aeternitatis, isto é, sob um ponto de vista que ultrapassa o tempo e as circunstâncias materiais do aqui e do agora. Uma pessoa que olha para o céu de uma tarde que morre e não percebe nada, é possível que tenha outras habilidades, mais solares, mais estivais e meridianas, e vivam alegres assim como são.
Nós, porém, que gostamos dos meios-tons, que somos tocados pelo movimento andante de uma sonata de Mozart, nós temos uma condição diversa. O preço dessa condição é a impossibilidade de sermos felizes sempre e por completo. Nossa felicidade dá-se por momentos como estes, em que descobrimos os sinais, invisíveis para os outros, da bela germinação do outono.
(LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL)
As paineiras já estão floridas. Olhem: estão floridas também as quaresmeiras.
O outono ao Sul é tão gentil que se anuncia com flores. Só nós, os outonais, podemos entender Toulouse-Lautrec. Ele costumava dizer, com sua sabedoria de artista, que o outono é a primavera do inverno.
Sim, ainda está quente. Muito quente, aqui ao Sul.
Mas suportamos esse calor com a visão da natureza, que começa aos poucos a transformar-se. Já é possível perceber algo novo na atmosfera.
Os dias começam a ficar menores. As noites têm seus os astros mais nítidos.
As manhãs são mais solenes, belas e evocativas. Os pássaros já não fazem sua algazarra. Cumpriram seu ciclo, e agora apenas vivem. Há maior silêncio.
O poente sobre o rio, sobre o campo, sobre o cenário urbano, tem alguns matizes mais dourados. São ínfimos, mas perceptíveis. Esqueçam a moda dos óculos escuros, que tudo mascaram. Olhem as coisas como elas são. Só assim será possível notar essas minúsculas e esperançosas variações da luz.
Para perceber tudo isso, porém, não basta possuir a condição humana. É preciso ser diferente; não melhor, mas diferente. É saber contemplar a vida, segundo propõe Baruch Spinoza, sub specie aeternitatis, isto é, sob um ponto de vista que ultrapassa o tempo e as circunstâncias materiais do aqui e do agora. Uma pessoa que olha para o céu de uma tarde que morre e não percebe nada, é possível que tenha outras habilidades, mais solares, mais estivais e meridianas, e vivam alegres assim como são.
Nós, porém, que gostamos dos meios-tons, que somos tocados pelo movimento andante de uma sonata de Mozart, nós temos uma condição diversa. O preço dessa condição é a impossibilidade de sermos felizes sempre e por completo. Nossa felicidade dá-se por momentos como estes, em que descobrimos os sinais, invisíveis para os outros, da bela germinação do outono.
(LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL)
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